segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Afrociberdelia - Chico Science e Nação Zumbi (1996)

Após emergir da Lama e do Caos (ver posts anteriores), que chacoalhou e devastou a terra brasilis dois anos antes, Chico Science retorna com sua Nação Zumbi propondo Afrociberdelia, senão como cura, pelo menos como remédio. Onde poderia se esperar mais do mesmo, uma continuação daquilo que havia dado certo no trabalho anterior encontram-se novos elementos no som de uma banda que tinha a preocupação de se reinventar sem perder a autenticidade, já no segundo trabalho, o que nos brindou com um dos melhores discos da década.


Eu vim com a nação zumbi, ao seu ouvido falar...

É Mateus Enter, o embaixador do maracatu enganando todo mundo num paródia heavy de Enter Sandman (Metallica), a trova que anuncia o início da festança. Com Pernambuco debaixo dos pés e a mente na imensidão vem, depois desta introdução, O Cidadão do Mundo. Se o som da banda perde em energia cinética (massa X quadrado da velocidade) ganha em afrociberdelia, e isso já fica claro nesta segunda faixa. A levada de baixo e bateria (uma novidade que depois se tornaria rotina no som da Nação Zumbi) acompanhada pelo violão (!) de Lúcio Maia é interrompida pelo breque com percussão de maracatu rural (uma paixão de Chico) e samples de sopro. O tema, banditismo è também recorrente na obra do compositor.


Etnia, música manifesto contra o racismo, também começa pesada, ameaçadora. Mas logo é dominada por scratches, samples e a batida de maracatu. No final, a miscigenação dos sons, a guitarra tornando o maracatu psicodélico, berimbau elétrico: nada de errado em nossa etnia!


Quilombo Groove é a faixa instrumental que abre Macô, um dos hits da banda. Além de uma canja mais que especial de Gilberto Gil nos vocais, a música traz uma levada de guitarra sutilmente funkeada e passagens de flauta que tornam a canção uma espécie de síntese da afrociberdelia. E Macô, quem é ou o que é, basta voltar à introdução, que contém um sample de Jorge Ben aconselhando: tosse! tosse! todo mundo tossindo!


Lúcio Maia repete ao longo de Um Passeio no Mudo Livre o lindo lick de introdução (a la John Frusciante), que tem uma letra desabafo, no estilo Sossego do síndico Tim Maia, se bem que muito menos explícito. A seção de sopros aqui é essencial, e o solo de trombone fazem deste um dos grandes momentos instrumentais do disco. Mas a minha favorita (?) vem depois desta: faminto e calmo e samba chegou... Carregado no wah-wah e com uma batida levemente acelerada, que lembra realmente um samba, Samba do Lado é outra faixa que poderia vira hino do movimento afrociberdélico (se o movimento existisse) com seu refrão que vai subindo de meio-tom em meio-tom até você ficar sem fôlego.


E não se dá um descanso, pois Maracatu Atômico (de Jorge Mautner) é outra afrociberdélica até a alma! A versão de CSNZ é uma aula de como fazer um cover. Sem descaracterizar a música, mantendo a estrutura melódica intacta, eles conseguem uma versão quase autoral: o maracatu fica mais atômico que nunca com Chico e a Nação, e ainda tem um gostinho de viagem ao fundo do mar (*).


Depois de narrar o Encontro de Isaac Asimov com Santos Dumont no Céu, o Corpo de Lama, é outra a firmar o marco psicodélico sobre o maracatu da Nação, antes de servir uma Sobremesa, experiência em inglês (mirando o mercado além-mar?) que Chico termina, aliviado ao que parece, na língua pátria.


Então entra uma linha de baixo e um vocal que parece sampleado de alguma coisa num inglês meio Jamaica que anunciam Manguetown. Tema que cairia bem no disco anterior, mas com a sonoridade típica deste aqui, Manguetown descreve a cidade e seus moradores andando por entre becos, andando em coletivos, ninguém foge ao cheiro sujo da lama da Manguetown! Crônica da capital pernambucana, o ponto final é de um realismo nada psicodélico: Fui no mangue catar lixo, pegar caranguejo, conversar com urubu.


Um Satélite na Cabeça é a faixa mais rock’n’roll do disco, marcada principalmente pela ênfase na bateria ao invés da seção percussiva da Nação e pelo vocal mais irado de Chico. A faixa prepara terreno, pois depois da psicocibernética instrumental Baião Ambiental, a banda vai quebrar tudo em Sangue de Bairro, que fez parte da trilha sonora de Baile Perfumado, gerando um clipe alucinado pelos cânions de Paulo Afonso (BA) enquanto o cangaceiro conta as sensações de ser decapitado. Heavy Metal perfeito primeiro porque está inserido num disco de outro gênero (um disco inteiro nesta toada seria um massacre), e depois pelos detalhes sutis da percussão (tem um triângulo que é especial mas, cá pra nós: alguns nem tão sutis. O maracatu da Nação prenuncia aqui a tonelada de peso que eles viriam a assumir num disco posterior). Enquanto o Mundo Explode acelera e pesa ainda mais (energia cinética a toda!) e tem os breques marcados pela percussão de Candomblé, enquanto que Interlude Zumbi é só percussão, voz e um berimbau alucinado.


Criança de Domingo é psico-folk-pop perfeito reinventado para o formato da Nação. Música mais lenta, Chico canta uma elegia otimista às pequenas alegrias do dia-a-dia. Seria a música perfeita para fechar o disco, mas eles ainda tem voz para uma história de amor. Simples, sem requintes românticos, Amor de Muito traz os metais de volta aos arranjos e apesar da batida do maracatu estar explícita, fica um ar quase bossa-nova (sem barquinhos, peixinhos e outras frescuras). O disco terminaria com uma faixa instrumental levada por Lucio Maia (psicodelicamente, é claro) na guitarra, se a gravadora não decidisse incluir três remixes distintos e totalmente dispensáveis do Maracatu Atômico (na era pré-mp3, o pessoal da grana achava que tinha que aproveitar ao máximo a memória do disquinho).


Chico deixaria a nação e a Nação tragicamente, num acidente de carro, o que não deixa de conferir à sua obra o charme dos heróis caídos em combate. Charme que ele certamente dispensaria em troca de poder desfrutar da Manguetown, como uma Criança de Domingo, passeando no Mundo Livre com toda sua afrociberdelia.


[MATEUS]

(*) Seriado de TV da década de 70.


Um comentário:

  1. Eu realmente perdi o bonde do CS e Nação Zumbi. A única lembrança que tenho deles é justamente a mais triste, a morte do CS. Pelo visto foi uma pena eu não ter acompanhado a obras dos caras. Vou começar a fazer agora em virtude das indicações. (ZEBA)

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