quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Pérola Negra - Luiz Melodia (1973)


O caminho para alguns discos está longe de ser óbvio. Enquanto que na maioria dos casos, você ouviu alguma coisa no rádio ou na casa de alguém ou conhece o artista (e confia nele) e aí você acaba comprando o disco, às vezes as coisas acontecem de forma diversa.

No final dos 80 eu entrei na universidade, achando que o mundo estava errado e que eu iria ajudar a salva-lo de alguma forma. Claro que eu não fazia idéia de “como”, mas achava que com o tempo descobriria. É claro que, conhecendo a discografia completa do Led Zeppelin, eu só poderia estar certo e, logo logo convenceria todo mundo disso. Mas quando nós temos 18, 20 anos, precisamos de uma pausa nesta árdua tarefa de salvar o mundo e nos dedicar um pouco ao sexo oposto. Claro que você não percebe isso na hora, mas rapidamente as prioridades se invertem e você acaba deixando a missão de salvar o mundo para os intervalos da missão de conquistar as chicas. E os intervalos vão se tornando cada vez mais raros e curtos... Enfim, eu achava que, tanto pra salvar o mundo, quanto quando estamos “amando” (ou a mando), Led Zeppelin me indicaria o caminho.

Tsc, tsc, tsc... É duro, é um golpe quase mortal e irrecuperável quando a tua primeira estratégia de ataque vai por água abaixo: Led Zeppelin?!?!... Você nunca ouviu Luiz Melodia?

Louis the fucking who? Eu deveria ter feito esta cara, esta frase, mas o golpe foi muito duro, as linhas inimigas já tinham minado meu ponto fraco. Quem mandou se meter a estudar ciências humanas? Viola recolhida, eu não tinha mais nada a declarar... Muito tempo depois fui me deparar com o estranho disco que trazia, na capa, o Melodia deitado numa banheira segurando o globo terrestre emoldurado por uma coleção de feijão preto cru.

Para apreciar um disco como este o sujeito não pode enxergar o mundo sob o prisma da discografia do Led, então levou muito tempo até eu chegar aqui. O disco é perfeito pra quem descobriu que não vai ajudar a salvar o mundo ou que Whole Lotta Love não é receita nem trilha pra conquistar qualquer garota. Pérolas são raras (e caras), e as negras então são o ó do borogodó. Este disco de ’73 é pérola negra em todos os sentidos. As letras são herméticas e a música é difícil de encaixar em categorias. Tem choro (a belíssima Estácio, eu e você que abre o disco), tem rock (Pra Aquietar, onde o título faz um jogo de palavras com a ilha de Paquetá, rock suingado e temperado por um lick de guitarra fuzz que não se ouvia muito por aqui), blues (Vale Quanto Pesa, uma baita música triste que não é blues no sentido clássico e termina orquestral, quase em festa), samba (Estácio, Holly Estácio, canção com o andamento mais lento onde aparece mais uma vez um de seus temas preferidos, a escola de samba do Estácio de Sá, música que ficaria perfeita na voz de Bethânia) e tem coisas que beiram o jazz (Objeto H e Absolutamente Morte, uma das minhas preferidas, só violão e a voz marcante do Melodia e poesia pra lá de difícil de entender... E dá pra entender porque que o “infalível” Led falhou naquele dia...). A música que dá nome ao disco é mais um blues a la Melodia e ficou célebre na voz de Gal Costa no famoso show A Todo Vapor (que viro disco e espero ver resenhado em breve, por aqui). O destaque fica mais uma vez pro arranjo que contrapõe voz e um naipe de sopros, e só. Ah, e o refrão que é das poucas frases que se entende no disco, mas que é de uma felicidade única: baby te amo, nem sei se te amo?!...

O disco segue com mais um blues de arranjo mínimo em Magrelinha, pra depois arrebentar com banda completa, metais e tudo que se tem direito na deliciosamente suingada Farrapo Humano, antes de voltar à jazzística Objeto H. E finaliza em Forró de Janeiro, que nem precisa dizer que tipo de música é. O que confere unidade ao disco é a voz única de Melodia, certa melancolia que às vezes é discreta e às vezes é explícita, quase suicida e, é claro, a ótima seleção de canções. Luiz Melodia foi durante muito tempo artista de década, pois lançava um disco a cada 10 anos. Isso antes de ser redescoberto nos anos 2000 e hoje parece que sai um disco ao vivo dele como se fosse um espirro.

Aquela noite terminou solitária pra mim, e eu abusei da bolacha ouvindo minha trilha oficial de fossa, Since I’ve been Loving You. O saldo positivo foi que, desde então o nome do Luiz Melodia não me saiu da cabeça, e hoje eu vejo que valeu a pena. [M]

2 comentários:

  1. Sensacional Mateus!
    Acho que essa foi a sua melhor resenha!! Ficou perfeita!!
    Esse aí eu tenho o vinil até hoje! Devia tê-lo escutado mais...
    Paul

    ResponderExcluir
  2. Uau! adorei tudo que você escreveu. hahaha. Depois vou dar uma olhada no resto.

    ResponderExcluir