quinta-feira, 26 de maio de 2011

O Cinema Transcendental de Caetano Zenloso (1979)


O que eu gosto neste disco é o equilíbrio suave e natural apresentado na lista de canções que se não inclui aqueles super-clássicos-quarentena do baiano, traz algumas das suas mais bonitas composições. Nunca me preocupei em elencar, nem mesmo em pensamento, as minhas músicas preferidas deste mestre absoluto, mas certamente, se o fizesse, não poderia deixar de incluir Trilhos Urbanos e Oração ao Tempo.


Neste disco, temos o Caetano Zen (desde a capa!), deixando sua música fluir como uma inevitável corredeira rio abaixo. Nada de musas híbridas e suas carapinhas cúpricas. O cinema transcendental inicia a sessão saudando a Lua de São Jorge, Lua soberana, nobre porcelana sobre a seda azul. Mais zen impossível, esta música parece uma colagem de hai-cais sobre a lua. E adiante aparece Beleza Pura, não me amarra dinheiro não (bem, isso foi bem antes da Paula Lavigne). Balanço irresistível, parece um reggae, mas te pega no engano quando ele entra a contar daquela preta que começa a tratar do cabelo com as conchas do mar, com toda delícia e toda minúcia, o reggaezinho deriva pra quase um soul à (e á!) baiana, ato de pura devoção.


O Menino do Rio ganha uma versão mais lenta e arrastada e menos urgente do que aquela que ficou célebre na voz de Baby (então Consuelo. Aliás, versão definitiva, diga-se de passagem...). Seguida de uma interpretação malandra do Vampiro de Jorge Mautner, mostra um Caetano antenado em interesses menos ortodoxos...


Elegia é um poema do poeta inglês do século XVII, John Donne, traduzido por Augusto de Campos e musicado por Péricles Cavalcanti. Ainda assim, a canção passa a milhas da academia e transborda erotismo, liberto-me ficando teu escravo, nada pode ser mais preciso...


Cajuína ficou célebre, um xotezinho de improviso, simples na forma, e que mostra um Caetano já mais experimental nas palavras enquanto que Louco Por Você é o justo desfile da sensacional A Outra Banda da Terra que o acompanha neste disco maravilhoso... Aracaju, Badauê e Os Meninos Dançam não destoam, mas fecham o disco quase sem ser notadas, e não era pra menos, pois as outras canções são muito acima da média.


Voltando aos Trilhos Urbanos, o melhor o tempo esconde, e aqui Caetano mostra, leve e solto, o mestre que é, cantando e assobiando em ritmo de passeio de bonde, ora acentuando a penúltima sílaba, ora caprichando no iiiiii...


Mas aquela canção de dar inveja mesmo, de querer cobrir o cara de porrada por ser tão filhadaputamente bom, é Oração ao Tempo. O toque de Midas aqui é a percussão em ritmo de tica-tac levemente descompassado, o suficiente pra transformar o relógio e o passar contínuo e monótono do tempo em música.


Obra de um gênio. Ave caetano


[M]


ps: o post é dedicado ao Zeba e ao Xampu...

8 comentários:

  1. Mr. M. parabéns pela escolha! Clássico "A-BI-SO-LUTO"!
    É um disco relaxadão e a resenha captou bem essa ideia. Ou sensação, como sempre nos ensina a mestra Andrea.

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  3. O disco é bom mesmo. Grande indicação Mateus. Mas, Cajuina é bem mais que um xotezinho de improviso. É curta, verdade, mas poucas musicas são tão gramaticalmente agradáveis de se ouvir. Incluo no rol, "língua" do próprio, e "Noites Cariocas" de Jacob do Bandolim.

    ZEBA

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  4. Cinema Transcendental já mata de cara. Tudo que transcende costuma ser bom...
    A resenha tá linda! Adorei os haicais de lua. Parece até um desenho, dando para imaginar os contornos.
    Sem dizer no Vampiro com sua mordida lenta...
    [ANDRÉA]

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  5. Ouvindo o cd no final de semana, saquei que esse redondo é cheio de homenagens: "os meninos dançam" é para os Novos Baianos - uma brincadeira com "a menina dança" e o Caetano põe todos os baianos pra dançarem.
    [ANDRÉA]

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  6. Sem dúvida, o Cinema Transcendental é um disco fabuloso, um clássico, uma joia rara, músicas maravilhosas, poéticas e diversificadas, marca de Caetano! Mas essa frase foi bem fraca:"Cajuína ficou célebre, um xotezinho de improviso, simples na forma, e que mostra um Caetano já mais experimental nas palavras..." Meu chapa, Cajuína é uma obra-prima, feita em versos alexandrinhos ( versos de 12 sílabas com tônica na penúltima sílaba, desprezando-se a última, metrificação), em que Caetano fala de Torquato Neto ( o "menino infeliz"), que havia se suicidado há um certo tempo e Caetano recebeu uma flor do pai de Torquato enquanto conversavam sobre o filho/amigo na casa do pai numa excursão pelo nordeste, e bebiam cajuína. Caetano conta que se emocionou e chorou muito, depois fez a maravilhosa música ( a obra-prima)! É isso aí, genial, como não poderia deixar de ser, em se tratando de Caetano. Abraços.

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  7. Caro leitor anônimo: Valeu a explicação sobre os alexandrinos. Eu conhecia a história citada meio que por telefone sem fio. O pai teria visitado o Caetano no camarim no intervalo de um show, e contado do filho morto. No retorno ao palco, Caetano teria esta composição feita no improviso. Essa é a versão que eu conhecia, mas a sua é bem mais verossímil.

    Vou continuar me esforçando para agradar aos tão exigentes leitores... Grato, abraço [M]

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  8. Conheci esse disco há pouco tempo.parece uma coletânea de clássicos(apesar de não gostar de coletânea)."Trilhos urbanos" e "Cajuína" até o temível Tinhorão elogiou na época do lançamento.Não entendi a expressão:super-clássicos-quarentena,mas valeu.

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